29 de mar. de 2013

The one that got away


Pensei na última vez que estive naquele quarto. Antes, as paredes pareciam vivas por causa da pintura nova. Ainda podia sentir o cheiro de tinta, bastava apenas um pouco de concentração. Antes, a cama estava arrumada e o abajur ligado. As cortinas eram novas e casavam perfeitamente com a decoração dos anos 60.

Demorei a reconhecer aquele como o quarto em que um dia eu vivi momentos especiais. Quando me dei conta, parecia que haviam se passado séculos ou que um incêndio havia consumido todas as lembranças que nunca pude esquecer. Agora vários pedaços desgastados de tinta podiam ser vistos na parede, assim como a poeira nos móveis e os lençóis encardidos. A única imagem que permanecia era ele sentando na cama.

Evitava encará-lo a qualquer custo, guardando os olhares para o momento certo. Eu tinha medo de ver algo que não devia estar ali, algo que me assustasse, ou pior: algo que destruísse todo o castelo de expectativas que criei para quando o encontrasse depois de tanto tempo. Ah, e como eu gastei tempo imaginando como ele estaria, quais seriam suas primeiras palavras, seu jeito de se vestir.

Fisicamente, ele pouco mudara. Um alívio e uma sensação boa de quando a realidade condiz com a expectativa. Mas ele permaneceu calado desde o momento em que entrou no quarto, apenas sorriu desajeitado pra mim. Eu não sorri: eu realmente me esforcei, mas não consegui sorrir. Esperei, também em silêncio, ele percorrer o quarto com o olhar e depois deter-se na cama. Aproximou-se dela e se sentou.

Depois de um longo tempo, desviei meu olhar da janela e finalmente olhei nos seus olhos. Ele respondeu imediatamente e segurou o olhar. De repente, disse:

- Pensei que nunca mais fosse te ver.

Involuntariamente sorri.

- Eu pensei em muitas coisas, mas sabia que nos veríamos de novo.

Ele me olhava, como se esperasse que eu tivesse algo a mais para dizer. Eu não tinha.

- Então... tu ainda moras com o Felipe?
- Você realmente me amou um dia?

Ele pareceu surpreso por um instante, mas logo respondeu:

- Sim.
- Então por que você foi embora?
- Porque eu te amei.
- Não acredito em você.
- Não tens que acreditar em mim. Não preciso da tua crença.
- Então por que agora você veio me ver?
- Porque ainda te amo.
- Não acredito em você.
- Já te disse, não tens que acreditar em mim.
- Mas pra poder ser recíproco, eu tenho que acreditar em você.
- Mas não quero que seja reciproco. Foi exatamente esse o motivo de eu ter ido embora pela primeira vez.

Encarei-o por um instante antes de perguntar quais eram os motivos.

- Não sou bom o bastante, isso basta – respondeu.
- Ninguém é bom o bastante, porque ninguém se contenta com o que tem. As pessoas sempre querem mais.
- Eu sentia que nunca podia te dar o suficiente. Por isso fui embora.
- Você sentia isso, era?
- Era.

Pensei um pouco antes de perguntar:

- Você se deu ao trabalho de perguntar o que eu sentia?

Vi sua boca abrir e fechar umas duas vezes, sem emitir nenhum som. Esperei, mas a resposta não veio. Ele se levantou e dirigiu-se a janela. O quarto ficou em silêncio por alguns minutos. Pareceram horas. Então, ele voltou-se pra mim e disse:

- Eu só queria te fazer feliz. Era tudo que eu mais queria. Mas toda vez que eu tentava, alguma coisa atrapalhava, alguma coisa dava errado. Então eu sofria por te sentir infeliz e por não conseguir mudar tua realidade, e sofria por perceber que mesmo assim continuavas comigo, mesmo assim você me amava. Eu não podia suportar. – Ele suspirou profundamente. – Então fui embora. Foi a melhor escolha que eu fiz na minha vida.

Por um instante, tive vontade de empurrá-lo pela janela. Logo em seguida, quis abraçá-lo. Mas só o que consegui foi continuar parada no mesmo lugar. Por fim, com um grande esforço, algumas palavras saíram da minha boca:

- E quem foi que disse que eu não era feliz?

Senti as minhas palavras atravessando o seu peito como uma descarga elétrica. O choque perpassou o seu rosto, enquanto imagens passavam na minha mente. Então, ele atravessou o quarto, veio em minha direção e me beijou. Não o impedi. Beijei-o de volta, delicadamente. Quando nossos lábios se separaram, ele me olhou nos olhos e disse:

- Por mais que eu queira, eu não acredito em você.

Largou minha cintura e se dirigiu à porta, que fechou assim que ele saiu do quarto.

2 comentários:

Mah Jardim disse...

Li alguns do teus textos e confesso que me assustei em como eu me identifico com eles. Tem um, em especial, que parece um resumo de uma parte da minha vida, dá uma angústia! Mas, ao mesmo tempo, é um alívio saber que alguém sabe como a gente se sente.
E, acho que já disse isso, mas escreves bem pra caramba! (:

Raíssa Bahia disse...

Eu quero chorar... Posso?



Lindo, belo, espetacular e todos os outros adjetivos que demonstrem a "fodiscidade" desse texto... Parabéns, Renan!