Pensei na última vez que estive
naquele quarto. Antes, as paredes pareciam vivas por causa da pintura nova. Ainda podia sentir o cheiro de tinta, bastava apenas um pouco de
concentração. Antes, a cama estava arrumada e o abajur ligado. As cortinas eram
novas e casavam perfeitamente com a decoração dos anos 60.
Demorei a reconhecer aquele como
o quarto em que um dia eu vivi momentos especiais. Quando me dei conta, parecia
que haviam se passado séculos ou que um incêndio havia consumido todas as
lembranças que nunca pude esquecer. Agora vários pedaços desgastados de
tinta podiam ser vistos na parede, assim como a poeira nos móveis e os lençóis encardidos. A
única imagem que permanecia era ele sentando na cama.
Evitava encará-lo a qualquer
custo, guardando os olhares para o momento certo. Eu tinha medo de ver algo que
não devia estar ali, algo que me assustasse, ou pior: algo que destruísse todo
o castelo de expectativas que criei para quando o encontrasse depois de tanto
tempo. Ah, e como eu gastei tempo imaginando como ele estaria, quais seriam suas
primeiras palavras, seu jeito de se vestir.
Fisicamente, ele pouco mudara. Um
alívio e uma sensação boa de quando a realidade condiz com a expectativa. Mas
ele permaneceu calado desde o momento em que entrou no quarto, apenas sorriu
desajeitado pra mim. Eu não sorri: eu realmente me esforcei, mas não consegui
sorrir. Esperei, também em silêncio, ele percorrer o quarto com o olhar e
depois deter-se na cama. Aproximou-se dela e se sentou.
Depois de um longo tempo, desviei
meu olhar da janela e finalmente olhei nos seus olhos. Ele respondeu
imediatamente e segurou o olhar. De repente, disse:
- Pensei que nunca mais fosse te
ver.
Involuntariamente sorri.
- Eu pensei em muitas coisas, mas
sabia que nos veríamos de novo.
Ele me olhava, como se esperasse
que eu tivesse algo a mais para dizer. Eu não tinha.
- Então... tu ainda moras com o Felipe?
- Você realmente me amou um dia?
Ele pareceu
surpreso por um instante, mas logo respondeu:
- Sim.
- Então por
que você foi embora?
- Porque eu te
amei.
- Não acredito
em você.
- Não tens que
acreditar em mim. Não preciso da tua crença.
- Então por
que agora você veio me ver?
- Porque ainda
te amo.
- Não acredito
em você.
- Já te disse,
não tens que acreditar em mim.
- Mas pra
poder ser recíproco, eu tenho que acreditar em você.
- Mas não
quero que seja reciproco. Foi exatamente esse o motivo de eu ter ido embora
pela primeira vez.
Encarei-o por
um instante antes de perguntar quais eram os motivos.
- Não sou bom
o bastante, isso basta – respondeu.
- Ninguém é
bom o bastante, porque ninguém se contenta com o que tem. As pessoas sempre
querem mais.
- Eu sentia
que nunca podia te dar o suficiente. Por isso fui embora.
- Você sentia
isso, era?
- Era.
Pensei um
pouco antes de perguntar:
- Você se deu
ao trabalho de perguntar o que eu sentia?
Vi sua boca
abrir e fechar umas duas vezes, sem emitir nenhum som. Esperei, mas a resposta
não veio. Ele se levantou e dirigiu-se a janela. O quarto ficou em silêncio por
alguns minutos. Pareceram horas. Então, ele voltou-se pra mim e disse:
- Eu só queria
te fazer feliz. Era tudo que eu mais queria. Mas toda vez que eu tentava, alguma
coisa atrapalhava, alguma coisa dava errado. Então eu sofria por te sentir
infeliz e por não conseguir mudar tua realidade, e sofria por perceber que
mesmo assim continuavas comigo, mesmo assim você me amava. Eu não podia
suportar. – Ele suspirou profundamente. – Então fui embora. Foi a melhor
escolha que eu fiz na minha vida.
Por um
instante, tive vontade de empurrá-lo pela janela. Logo em seguida, quis abraçá-lo.
Mas só o que consegui foi continuar parada no mesmo lugar. Por fim, com um
grande esforço, algumas palavras saíram da minha boca:
- E quem foi
que disse que eu não era feliz?
Senti as
minhas palavras atravessando o seu peito como uma descarga elétrica. O choque
perpassou o seu rosto, enquanto imagens passavam na minha mente. Então, ele
atravessou o quarto, veio em minha direção e me beijou. Não o impedi. Beijei-o
de volta, delicadamente. Quando nossos lábios se separaram, ele me olhou nos
olhos e disse:
- Por mais que eu queira, eu não
acredito em você.
Largou minha
cintura e se dirigiu à porta, que fechou assim que ele saiu do quarto.
2 comentários:
Li alguns do teus textos e confesso que me assustei em como eu me identifico com eles. Tem um, em especial, que parece um resumo de uma parte da minha vida, dá uma angústia! Mas, ao mesmo tempo, é um alívio saber que alguém sabe como a gente se sente.
E, acho que já disse isso, mas escreves bem pra caramba! (:
Eu quero chorar... Posso?
Lindo, belo, espetacular e todos os outros adjetivos que demonstrem a "fodiscidade" desse texto... Parabéns, Renan!
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