27 de abr. de 2014

Acúmulo

Sentei na frente do computador sem esperar muita coisa. Afinal, fazia muito tempo, nem me lembro desde quando, que aquela velha conhecida vontade de transformar tudo em palavra havia morrido. Foi de repente, assim como acontece com muita gente. Um dia tá tudo bem, melhor impossível, e quando vai ver, acaba, ponto final.

Não teve choro, não teve velório. Sempre achei que sem tanto drama fica mais fácil de aceitar qualquer perda, então eu não dramatizo e paro de pensar tanto no assunto. Um amigo meu vive me dizendo que meu coração deve estar cheio de lágrimas não choradas, de dores não colocadas pra fora e ele tem certeza que um dia eu vou transbordar e tudo vai vazar de uma só vez, inundando tudo. Não sei se eu acredito nele, mas o fato é que em todos esses anos nunca ouve nenhum prenúncio ou aviso divino de que meu dilúvio estivesse prestes a acontecer. Então eu continuo evitando o drama, assim como eu fiz quando minha vontade de escrever morreu.

O fato é que naquele dia alguma coisa parecia diferente. É bem clichê dizer isso, mas eu sentia que alguma coisa tinha mudado. O quê? Eu não fazia a menor ideia. Foi por isso que eu revisitei todas as minhas perdas pra ver se a mudança tinha alguma coisa a ver com elas.

Comecei com o violão, que meu pai me deu de aniversário aos 12 anos e que foi abandonado três meses depois. Eu até tocava bem, mas depois enjoei. Mas a vontade podia ter voltado, não é? Peguei o violão, dei uma limpada no bicho que tava mais empoeirado que meus CDs na estante da sala e dedilhei as cordas. Foi um sentimento estranho e ruim. Sei lá, eu me sentia errado segurando aquele instrumento. Eu não me lembrava de muitos acordes, então não pude fazer muita coisa a não ser colocá-lo de volta no canto do quarto.

Então sentei no computador, como já disse. Abri uma página em branco pra ver o que acontecia e aconteceu. Começou com a letra 'a' e depois uma palavra, uma frase, um parágrafo. Eu transbordei. Meu dilúvio finalmente aconteceu e as minhas palavras eram gotas da chuva e o som dos meus dedos tocando freneticamente várias letras no teclado preto era o trovão.

Só que depois de um tempo, parecia que minhas mãos não eram rápidas o suficiente pra acompanhar toda a tempestade que acontecia dentro de mim, toda a euforia e tristeza misturadas com o alívio que percorria o meu corpo inteiro. Foi aí que comecei a transbordar pelos olhos, sentindo o dilúvio esquentando meu rosto, borrando minha visão e não me deixando mais ler o que eu escrevia na tela. Mas isso pouco importava. Eu sentia o que eu queria escrever e era muito mais forte do que qualquer palavra que eu digitasse no teclado. E eu continuei sentindo até que eu me vi fraco demais pra conseguir sobreviver ao meu próprio dilúvio.

Teve choro, teve velório.
Photo: weheartit

Um comentário:

Amanda Campelo disse...

Agora volta a tocar violão que eu agradeço pelos nossos duetos :3