20 de ago. de 2014

História

Encontrei no Brett & Jessica
Sonhos? Ah!, eu tinha de monte, meu filho. Eu era a menina mais sonhadora dessa cidadezinha de fim de mundo. Ficava pensando no dia em que eu ia sair daqui, viver uma vida de gente adulta numa cidade grande, com marido rico, dois filhos, vida feita, vida ganha, tudo certo. E eu era ambiciosa. Se eu queria, eu corria atrás que nem louca pra conseguir. Não deu certo na maioria das vezes, mas eu era teimosa demais, não desistia fácil. Só que teve uma hora que não deu mais, tinha muita coisa querendo minha atenção e eu não podia mais ser aquela menina sonhadora que sentava na frente de casa e ficava assistindo os meninos jogarem futebol, imaginando qual deles se tornaria um jogador famoso e meu futuro marido. Eu torcia pra ser o Edu, que era o mais bonito de todos e que sempre abria um sorriso pra mim quando me via passar. É claro que eu retribuía, de forma discreta pra ninguém sair falando. Porque vou te contar, povo de cidade pequena sabe de tudo. Passa mais tempo falando da vida dos outros que cuidando da própria. A gente tinha que tomar cuidado com tudo o que fazia, ainda mais se fosse coisa que pai e mãe não aprovavam. Namorar, então, foi uma verdadeira aventura de cinema, de tanto que eu fugi e me escondi por aí pra namorar o Dudu (não, não é o mesmo Edu do futebol, porque ele se mudou daqui algum tempo depois).

O Dudu trabalhava na padaria com o pai, atendendo os clientes. Eu ia lá toda tarde comprar pão, às três e meia, quase num horário sagrado, só pra ver ele e confirmar se tava tudo certo pra gente se encontrar atrás da igreja às sete e quinze. Era o horário que começava a missa e tava todo mundo lá dentro, então ficava mais fácil da gente namorar em paz.

Uma vez o padre quase pegou a gente, porque o carro dele quebrou e ele teve que ir andando pra igreja. Aí a missa atrasou e ele chegou na hora que eu tava indo lá pra trás encontrar o Dudu. Perguntou por que eu ainda não tava lá dentro e eu não tive opção a não ser entrar na igreja e assistir a missa. Deixei o Dudu lá me esperando e nesse dia não deu pra namorar. Mas foi só nesse.

Até porque pouco tempo depois Dudu teve coragem de ir falar com meu pai pra pedir permissão pra gente namorar do jeito respeitoso, como dizia minha mãe. Meu pai ficou meio desconfiado no começo, mas aceitou. E então a gente deixou de se encontrar atrás da igreja e agora o encontro era na porta da minha casa, ainda no mesmo horário. Só não podia passar das nove e meia porque era tarde demais pra moça de família ficar na rua. Meu pai deixava meu irmão mais novo vigiando a gente da janela, pra ver se a gente se dava o respeito e não fazia nenhuma safadeza. No começo meu irmão até que era um bom vigia pro meu pai, mas depois de um tempo ele cansou de passar tanto tempo sentado na janela sem fazer nada. Aí foi só o Dudu começar a comprar ele com petecas que a gente teve alguns momentos de privacidade.

Não demorou muito pra gente juntar as coisas e casar de vez. Eu já tinha quase vinte e já queria mesmo ter minha casinha, minhas coisas, sem pai nem mãe pra vigiar ou pra depender. Foi na mesma época em que o pai do Dudu ficou muito doente e não pode mais trabalhar, deixando a padaria pro filho cuidar. Aí eu fui trabalhar com ele, porque não tinha dinheiro pra pagar mais gente pra ajudar a manter o negócio. E eu era uma cozinheira de mão cheia, inclusive ajudei a deixar o pão mais gostoso e comecei a fazer alguns pães diferentes pra vender. A gente levou aquele negócio muito bem durante anos, quase quarenta. Mas aí o Dudu adoeceu, tinha o mesmo problema do coração que o pai e não deu pra gente continuar fazendo pão. Então a gente vendeu a padaria e o dinheiro ajudou bastante no tratamento do meu velho. Nossos filhos todos se formaram, um engenheiro, um dentista e uma professora, que foram pra cidade ganhar a vida, porque se passou muito tempo, mas isso ainda é uma cidade muito pequena, eles não tinham muito o que fazer por aqui.

Apesar do meu sonho de pequena de sair daqui e ver o mundo lá fora, eu preferi ficar aqui, mesmo tendo a oportunidade de ir embora. Depois de um tempo percebi que esse era o meu lugar e tô muito bem aqui com o meu marido, vivendo confortável, com filhos bem-sucedidos que vêm visitar a gente todo mês, num desses finais de semana que a vida tá menos corrida. Tô tranquila vivendo o que me resta pra viver, do jeito que eu escolhi viver. Tô muito bem, meu neto, obrigada por perguntar.

Um comentário:

Milena M. disse...

A gente devia perguntar mais vezes, né? Tem muita coisa pra aprender ainda. Que sonhos nem sempre são grandiosos, por exemplo. Às vezes a gente acha que quer fazer acrobacia no circo, mas na verdade só quer uma janela com uma vista bonita. Vamos perguntando pra eles e tentando aprender um pouquinho e ensinar um pouquinho, por que não?
Beijo